Adepol do Brasil – 26/04/2023
Por Adriano Sousa Costa, Ana Scarpelli de Andrade e Mayana Rezende
A Lei 14.550/23, publicada em 19 de abril, alterou parcialmente a Lei 11.340/06, expressamente no que concerne às medidas protetivas de urgência. Contudo, a nosso ver, o mote principal da referida alteração legislativa não era esse tratamento mais moderno das medidas protetivas de urgências, mas sim a tentativa de modificação da abrangência da Lei Maria da Penha para atos que iriam além do conceito atual de violência de gênero.
Percebe-se, portanto, que a discussão não se centra verdadeiramente nas causas e nas motivações dos atos de violência (além da condição do ofensor ou da ofendida), pois o conceito de violência de gênero a isso não se resume. Até porque o interesse do legislador era o de determinar que toda e qualquer violência ou ameaça contra mulher (nos termos do artigo 5º da Lei Maria da Penha), independentemente da demonstração da vulnerabilidade da vítima, seriam considerados de gênero.
Se essa era a vontade inicial quando da propositura do projeto, não se pode afirmar que o resultado legislativo (fruto dos debates no Congresso) foi nesse mesmo sentido.
Da redação proposta no PL 1.604/2022
Na exposição de motivos do Projeto de Lei nº 1604/2022, de autoria da senadora Simone Tebet, consegue-se visualizar bem os motivos que levaram a tal propositura. Vejamos:
“Em outros termos, a categoria ‘violência baseada no gênero’ não é um pré-requisito probatório a ser aferido no caso concreto. É o pressuposto político da lei, entendida como ação afirmativa que se antepõe à violência baseada no gênero numa sociedade machista, violência essa que advém do poder desigual de gênero de longa duração, no passado legitimado, inclusive, pelo Direito. Todavia, desconsiderando o contexto machista em que vivemos, o STJ sedimentou o entendimento equivocado de que os juízes deverão analisar no caso concreto se a violência contra a mulher foi ou não uma ‘violência baseada no gênero’ para justificar a aplicação da Lei Maria da Penha.”
A redação da Lei nº 14.550/23 não foi tão habilmente articulada a ponto de se poder garantir que o resultado normativo foi o que dela se esperava. Até porque a estrutura redacional proposta inicialmente não foi totalmente mantida pelo legislativo [1], frise-se. A sugestão legislativa inicial era:
“Art. 40-A. Esta lei será aplicada a todas as situações previstas no art. 5o, independentemente da causa ou motivação dos atos de violência, ou da condição do ofensor ou da ofendida.
Parágrafo único. Configura violência baseada no gênero toda situação de violência doméstica e familiar contra a mulher.“ (Redação não mantida)
Houve a retirada do parágrafo único, o qual realmente poria pá-de-cal nessa discussão. Só com a redação mantida do caput do artigo 40-A não se resolveu tal problemática; ao revés, abriu-se margem para a interpretação de que, para a incidência do rótulo de violência de gênero, ainda precisa ser demonstrado algo a mais nos contextos trazidos no artigo 5º da Lei Maria da Penha.
Portanto, se a ideia era mesmo a de que a violência de gênero contra a mulher fosse sempre presumida em quaisquer dos contextos estampados no artigo 5º da Lei nº 11.340/2006, deveria o legislador ter mantido a redação do parágrafo único do artigo 40-A.
Na verdade, sequer se pode precisar se os bastidores das discussões congressuais levaram ao não avanço da redação original ou se realmente a falta de técnica legislativa é que está conduzindo a essa interpretação tradicional.
A nosso ver, a primeira hipótese parece ser a mais factível, pois, se o conjunto de legisladores tivesse mesmo decidido subverter a necessidade de demonstração da vulnerabilidade derivada da identidade sexual ou de gênero, uma sorte de outros dispositivos deveriam ter tido a sua redação igualmente modificada pela Lei nº 14.550/2023.
Não parece ser razoável mudar o viés de todo o sistema protetivo com base em presunções derivadas de uma exposição de motivos de um Projeto de Lei, principalmente quando isso não é acompanhado de nenhuma mudança em outros diplomas correlatos.
Para exemplificar, a primeira alteração poderia ter sido a alteração do teor do caput do artigo 5º da LMP, retirando a expressão “ação ou omissão baseada no gênero“; a segunda, a revogação expressa do inciso II, do parágrafo 2º-A, do artigo 121 do Código Penal, que define o que seriam razões de sexo feminino para fins de caracterização do feminicídio. Nada disso foi feito.
Da teleologia dos atos de violência e as condição do ofensor ou da ofendida
Como dito, o legislador acabou criando uma grande confusão quando deu a entender que a Lei Maria da Penha se aplicaria a todas as situações previstas no seu artigo 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida. Nesse sentido, vide o artigo 40-A:
“Art. 40-A. Esta Lei será aplicada a todas as situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida.” (Incluído pela Lei nº 14.550, de 2023)
Conforme mencionado acima, nossa posição é a de que ainda remanesce a necessidade de comprovação da situação de desproporcionalidade decorrente da identidade de gênero ou orientação sexual. Nada mudou nesse sentido, portanto.
A nosso ver, há se interpretar a desnecessidade de perquirição de causas e motivações para os atos de violência por outro jaez. Citamos, por exemplo, a sempre impertinente discussão sobre a legítima defesa da honra, no caso do feminicídio.
Ademais, divagações sobre a condição do ofensor ou da ofendida, que é terminologia extremamente aberta, dizem muito sobre as condições pessoais e circunstanciais que não merecem qualquer relevo jurídico, principalmente quando não versarem sobre a hipossuficiência de gênero em si ou sobre o menoscabo ao gênero feminino. Principalmente porque o menoscabo e a hipossuficiência de gênero não são tecnicamente causas e motivos para tais sortes de violências, mas sim condições estruturais de desequilíbrio entre tais atores. O próprio PL nº 1.604/2022 deixa isso bem claro.
Ainda assim, a redação do dispositivo acima acaba operando outros importantes efeitos frente, por exemplo, em face da estéril discussão jurídica sobre a incidência da Lei Maria da Penha no caso de transgêneros, homossexuais etc. Não restam mais dúvidas de que, em havendo violência de gênero, a referida condição pessoal não afasta a aplicabilidade do diploma tuitivo em favor de tais vítimas.
Lei in your face e o desafio dos Poderes
Percebe-se que, pela análise da exposição de motivos do PL nº 1.604/2023, a Lei nº 14.550/2023 é fruto de um grande embate entre Legislativo e Judiciário, sendo a propositura desta uma reação às posições jurisprudenciais dos tribunais superiores.
Fato é que o referido PL é um autêntico exemplo de Lei in your face, que ocorre quando o Poder Legislativo tenta “dar na cara” do Poder Judiciário por adotar decisões jurídicas que não lhe sacia os interesses políticos.
Ainda que o referido fenômeno seja mais comum quando tais decisões judiciais derivam da Suprema Corte de um país, nota-se que a exposição de motivos mirou somente nas decisões do STJ. Vejamos:
“Todavia, desconsiderando o contexto machista em que vivemos, o STJ sedimentou o entendimento equivocado de que os juízes deverão analisar no caso concreto se a violência contra a mulher foi ou não uma ‘violência baseada no gênero’ para justificar a aplicação da Lei Maria da Penha. Já em 2015, aquele tribunal assim se posicionou:
[…] Apesar de equivocado, esse entendimento se viu ainda mais fortalecido a partir da seguinte decisão adotada pelo mesmo tribunal em 2021: […] […] O entendimento do STJ tem levado diversos tribunais a restringirem o âmbito de aplicação da Lei Maria da Penha, excluindo sistematicamente da proteção legal muitas mulheres que sofrem violência praticada por pessoas que residem em suas casas, por familiares ou por parceiros íntimos (atuais ou ex), com base em argumentos relacionados a conflitos colaterais ou à presença de fatores de risco.”Pensamos que, se o motivo para a irresignação do Poder Legislativo for a análise técnica do Poder Judiciário sobre circunstâncias em que se pode afastar o rótulo de violência de gênero, parece que a legalidade e a constitucionalidade da Lei nº 14.550/23 precisa (e deve) ser averiguada.
Indubitavelmente, há necessidade de lapidação de algumas específicas posições jurisprudenciais, mas daí a retirar do Poder Judiciário a capacidade de obtemperar a real necessidade de aplicação da referida norma tuitiva (pela ausência do desequilíbrio típico da violência de gênero) é esvaziar-lhe a sua importante função socioinstitucional: a de fazer Justiça.
Da cognição sumária realizada pelos delegados de polícia
O artigo 19 da Lei Maria da Penha sofreu, recentemente, excepcionamento pelo artigo 12-C, garantindo-se aos delegados de polícia atribuições antes típicas somente dos agistrados. Vejamos:
“Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: I – pela autoridade judicial; II – pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou III – pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.”
A inclusão deste artigo foi motivada pela necessidade de se concretizar uma proteção mais efetiva nas situações em que a possibilidade de retardo da decretação pelo trâmite burocrático das Medidas Protetivas de Urgência (MPU) pudesse ter como consequência a não-garantia da integridade da mulher. E essa ferramenta teve a sua constitucionalidade debatida na ADI 6.138, julgada improcedente por unanimidade, cujo trecho da ementa se transcreve:
“A autorização excepcional para que delegados de polícia e policiais procedam na forma do art. 12-C II e III, E § 1º, da Lei nº 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA), com as alterações incluídas pela Lei nº 13.827/2019, é resposta legislativa adequada e necessária ao rompimento do ciclo de violência doméstica em suas fases mais agudas, amplamente justificável em razão da eventual impossibilidade de obtenção da tutela jurisdicional em tempo hábil. […] 3. Constitucionalidade na concessão excepcional de medida protetiva de afastamento imediato do agressor do local de convivência com a ofendida sob efeito de condição resolutiva. […] 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.” (ADI 6.138, relator: Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 23/3/2022, Processo eletrônico DJe-112, divulg.: 08-06-2022, public. 09-06-2022).
É por isso mesmo que reconhecermos que a Lei nº 14.550/23, acerca da decretação subsidiária de algumas das Medidas Protetivas de Urgência (MPU), alcançou também as atribuições dos delegados de polícia, quando em atuação nos termos do artigo 12-C. Nas demais circunstâncias, as atribuições e competências continuam como antes.
Juízo de cognição sumária pelos delegados de polícia
Ao Poder Judiciário incumbe, em regra, o poder decisório no contexto da decretação das MPU. Por simetria, o indeferimento também lhes cabe. Mas, no caso do gatilho criado pelo artigo 12-C da Lei Maria da Penha (LMP), estendeu-se aos Delegados de Polícia a simétrica prerrogativa de indeferimento do pedido, consoante Lei nº 14.550/23. E isso é novo.
Desde que, por óbvio, igualmente justificado pela inexistência de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes, o Delegado de Polícia poderá indeferir o pleito. Vejamos:
“Art. 19. § 4º. As medidas protetivas de urgência serão concedidas em juízo de cognição sumária a partir do depoimento da ofendida perante a autoridade policial ou da apresentação de suas alegações escritas e poderão ser indeferidas no caso de avaliação pela autoridade de inexistência de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.
Esse juízo de cognição sumária deriva de análise preliminar do contexto fático-jurídico de riscos à mulher e, portanto, requer o menor grau de formalismo possível.
Ainda que não seja suficiente o mero conhecimento pessoal da situação pela Autoridade Pública, não se requer qualquer produção exaustiva de documentação. Por isso o depoimento da ofendida perante a Autoridade Policial ou da apresentação de suas alegações escritas já servem para atingir tal meio-termo burocrático, desde que dotadas de verossimilhança.
Do indeferimento: entre a certeza e a suspeita vaga
Quando o legislador condiciona o indeferimento da MPU à inexistência de risco à vítima, não diz, ao contrário, que a mera suspeita, presunção vaga ou hipótese frágil de perigo a autorizariam.
Ademais, a determinação de fundamentar a decretação de uma medida cautelar invasiva é a mesma que justifica a necessidade de fazê-lo no caso de seu indeferimento. E não pode, sob o afã de proteção demasiada, esquecer-se das regras de decretação semelhantes já trazidas pela própria Lei. Nesse sentido, perfeitamente aplicável o artigo 315 do CPP por analogia: “A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada”.
É fato que o legislador tende, como regra, requerer mais plena e exaustiva justificativa quando da decretação, já que a não-decretação tende a se guaridar em mais incontestáveis argumentos de presunção de não-culpa ou de inocência, por expresso respaldo constitucional e infralegal. Percebe-se, no caso da Lei n. 14.550/23, uma tentativa de alterar um pouco essa lógica.
Da pertinência decretadora e do pano de fundo criminal
No que tange ao juízo de cognição sumária, o legislador limitou-se a indicar sobre a necessidade de existência de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.
Fato é que isso não afasta a necessidade de ponderação sobre outro requisito geral de decretação de toda e qualquer medida cautelar pessoal, gênero do qual se inspiram as MPUs: o fumus comissi delicti.
Por isso, quando o parágrafo 5º da Lei n. 14.550/2023 menciona expressamente “independentemente de tipificação penal da violência”, não compreendemos como um aceno para a desnecessidade de um pano de fundo criminal. Se assim o fosse, teria a lei permitido a decretação expressamente no caso de “inexistência de infração penal”, o que não o foi feito.
Ainda que se possa perceber que, na exposição de motivos do PL 1604/2022, tenha-se expressado que a teleologia do referido Projeto de Lei era mesmo a de vincular as medidas protetivas aos fatos atípicos, o legislativo não articulou as palavras para que assim a Lei nº 14.550/2023 sinalizasse objetivamente. Vejamos trecho do PL em comento:
“Além disso, este projeto de lei busca tornar inquestionável a proteção que oferece à mulher mesmo na hipótese de atipicidade criminal do ato de violência, de ausência de prova cabal, de risco de lesão à integridade psicológica por si só e independentemente da instauração de processo cível ou criminal.”
A justificativa desenhada na referida exposição de motivos é o de que a violência psicológica contra a mulher teria ficado sem expressa correspondência tipológica no Código Penal e isso justificaria a vinculação das MPUs a fatos atípicos.
“Convém lembrar que um ato de violência doméstica e familiar, especialmente de violência psicológica, mesmo que não tenha configuração criminal, dá ensejo à proteção legal, por se tratar de um ato ilícito. Esse ponto ganhou relevância particular após a revogação do art. 65 da Lei de Contravenções Penais em 2021, imposta pela lei que institui o crime de perseguição (CP, art. 147-A) e deixa sem correspondência criminal grande parte das condutas de violência psicológica. […] A propósito, uma adequada avaliação de risco é essencial à compreensão da necessidade de proteção, para muito além da correspondência criminal.”
É curioso que essa falta de adequada tipificação decorre da falta de articulação legislativa, e não da inexpressividade penal das referidas ofensas. Ou seja, são condutas que podem ser incriminadas a qualquer momento (pois são suficientemente relevantes), bastando que o legislador realize a sua missão constitucional.
Uma outra interpretação razoável
Não parece adequado que o legislador erre por não incriminar devidamente as mais diversas lesões e ameaças em desfavor das mulheres e, como medida corretiva de sua própria ineficácia, alargue a abrangência das MPUs a contextos alheios ao Direito Penal.
Por isso, é ponderado seguir uma outra interpretação para o que traz o parágrafo 5º da Lei n. 14.550/2023, principalmente no que tange ao trecho epigrafado: “§ 5º. As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência…”.
Ao restringir-se a redação do § 5º a nomenclatura atinente à subsunção (tipificação), indica-se que o artigo e o nomen juris do ilícito não podem ser um limitativo à respectiva decretação. Por exemplo, pouco importa se é uma contravenção penal de vias de fato ou mesmo uma tentativa de homicídio.
E essa interpretação também vai ao encontro das recentes decisões do STJ sobre a relevância do indiciamento criminal realizado pelos delegados de polícia. O indiciamento nada mais é do que o apontamento claro para a ocorrência de uma infração penal, e não de um fato atípico ou de um ilícito civil qualquer.
Não só isso. Qualquer outra interpretação poderia levar à contradição profunda na manutenção e na utilização do artigo 12-C no referido sistema protetivo, a qual permite que membros de órgãos policiais do artigo 144 da CF decretem subsidiariamente tais sortes de medidas. Se o pano de fundo não é necessariamente criminal, o que a polícia teria a ver com isso?
Da burocratização desburocratizada
Se o STJ já havia fortalecido o indiciamento realizado pelo delegado de polícia, ao condicionar a manutenção da MPU à existência de indiciamento, a Lei nº 14.550 fortaleceu novamente o papel da autoridade policial ao mencionar como marco do juízo de cognição sumária o depoimento perante ele.
“Art. 19. § 4º. As medidas protetivas de urgência serão concedidas em juízo de cognição sumária a partir do depoimento da ofendida perante a autoridade policial ou da apresentação de suas alegações escritas e poderão ser indeferidas no caso de avaliação pela autoridade de inexistência de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.”
Pela própria natureza documental do ato, percebe-se que, cada vez mais, caminha-se para a inadequação da decretação de medidas de urgências por policiais ostensivos (mormente militares), porquanto difícil que — no contexto de seus deveres de polícia ostensiva — consigam realizar atos de documentação sem criar atropelo procedimental e desvio finalístico à sua função primordial: a ostensividade. Pior ainda é a situação de serem obrigados a justificar eventual indeferimento da MPU.
A razão de ser de tal dispositivo é evitar que a vítima, após ouvida pelo delegado, seja obrigada a realizar a formalização de algo que já, de outra forma, foi documentado. Evitar também que haja o condicionamento da decretação da MPU à própria inércia estrutural de órgãos da persecução penal (MP e Judiciário), ou seja, a atos de impulsionamento da ação penal correlata.
Afinal, se a verossimilhança do relato da vítima já puder ser evidenciada pelo seu relato inicial (por meio de suas declarações ou por meio de alegações escritas), não há necessidade de se realizarem outros atos de documentação ou mesmo a movimentação mais aguda da persecutio para tal desiderato.
Do indeferimento e do pedido de reapreciação
O indeferimento do pedido de MPU pelo delegado de polícia, nas circunstâncias que o couber, segue as mesmas razões de decidir do magistrado e deve ter sempre relação com a inexistência de riscos.
E, no caso desse indeferimento inicial, ainda que o legislador não tenha mencionado expressamente tal possibilidade, é perfeitamente factível a apresentação de novos e subsequentes elementos para que, de forma mais reflexiva e substantiva, haja reapreciação para a decretação da MPU.
É importante tratar de tal tema para que não se interprete que o juízo sumário de decretação — quando indeferido — impedirá a reapreciação de elementos posteriores e mais completos pelo magistrado competente. Até porque isso obrigaria as vítimas à necessária interposição recursal para ver a MPU decretada.
Por isso é essencial perceber que o termo “cognição sumária” é indicativo de uma outra, futura e mais perfunctória análise, a qual pode ser provocada pela vítima independentemente de ter interposto qualquer recurso frente ao indeferimento sumário e inicial de seu pedido.
[1] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9171745&ts=1681993941708&disposition=inline&_gl=1*ix1fph*_ga*MTkyMDE0NjMyNi4xNjczNTkzNzc3*_ga_CW3ZH25XMK*MTY4MjI2Nzc1Mi4xLjAuMTY4MjI2Nzc1Mi4wLjAuMA
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Adriano Sousa Costa é delegado de Polícia Civil de Goiás, autor pela Juspodivm e Impetus, professor da pós-graduação da Verbo Jurídico, MeuCurso e Cers, membro da Academia Goiana de Direito, doutorando em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
Ana Scarpelli de Andrade é delegada de Polícia Civil de Goiás, ex-delegada titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Goiânia e atualmente chefe da Divisão de Ações Sociais e Direitos Humanos.
Mayana Rezende é delegada de polícia de Goiás, ex-adjunta da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) de Aparecida de Goiânia, titular da Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic), Delegacia Estadual de Repressão a Crimes contra a Administração Pública (Dercap), Delegacia Estadual de Repressão a Crimes contra a Ordem Tributária (DOT), integrante do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos do Estado de Goiás (Cira) e chefe do Grupo de Apoio Institucional da Diretoria da Polícia Civil do Estado de Goiás.
Crédito: Revista Consultor Jurídico, 25 de abril de 2023, 8h00. Link: https://www.conjur.com.br/2023-abr-25/academia-policia-lei-1455023-violencia-genero-indeferimento-medida-protetiva