Revista Consultor Jurídico – 06/10/2023
Sobre a chamada “contribuição assistencial” ou “taxa assistencial” o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou, em 2017, a seguinte tese: “É inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados” (STF, Pleno, RG-ARE 1.018.459/PR, relator ministro Gilmar Mendes, j. 23/2/2017, DJe 10/3/2017).
Por importante, constou ainda do voto do ministro Barroso que:
“Portanto, deve-se assegurar ao empregado o direito de se opor ao pagamento da contribuição assistencial. Convoca-se a assembleia com garantia de ampla informação a respeito da cobrança e, na ocasião, permite-se que o trabalhador se oponha àquele pagamento”.
Em resumo, a fundamentação do ministro Luís Roberto Barroso (acompanhado pelos demais ministros), para dar efeito modificativo à decisão anterior foi de que as contribuições assistenciais não se confundem com a contribuição sindical (também conhecida como “imposto sindical”), cuja cobrança deixou de ser compulsória a partir da Reforma Trabalhista de 2017; que a cobrança das contribuições assistenciais está prevista na CLT desde 1946, ao contrário da contribuição (ou “imposto”) sindical; que a arrecadação das contribuições assistenciais só pode ocorrer para financiar atuações específicas dos sindicatos em negociações coletivas; que, como a jurisprudência do STF, construída ao longo dos últimos anos, passou a conferir maior poder de negociação aos sindicatos, identificou-se uma contradição entre prestigiar a negociação coletiva e, ao mesmo tempo, esvaziar a possibilidade de sua realização, ao impedir que os sindicatos recebam por uma atuação efetiva em favor da categoria profissional; que, por esse motivo, os sindicatos podem instituir e cobrar a contribuição assistencial aprovada em assembleias da categoria e prevista em acordo ou convenção coletiva de trabalho, assegurado ao trabalhador o direito de se opor ao desconto.
Ponto importante da fundamentação do STF, cujo acórdão final ainda não foi publicado, foi prestigiar a liberdade sindical e a negociação coletiva e garantir aos sindicatos alguma forma de financiamento das suas atividades, levando em conta as significativas alterações das premissas fáticas e jurídicas sobre as quais foi assentado no passado o voto inicial proferido nos mesmos autos. Essas premissas foram as mudanças promovidas pela reforma trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017), acabando com a contribuição sindical compulsória, sem, no entanto, criar outra forma de financiamento das atividades sindicais, especialmente no tocante às negociações coletivas, uma vez que a própria lei mencionada permitiu a prevalência do negociado sobre o legislado.
Sobre essa decisão do STF tem havido muitos questionamentos e críticas, dizendo-se que a mudança de entendimento da Corte Suprema resulta em retrocesso, em termos de evolução da proteção da liberdade sindical. Outros dizem que a decisão do STF volta com a antiga contribuição sindical compulsória. Com o devido respeito, nenhuma nem outra argumentação tem fundamento.
A verdade é que estão sendo divulgadas muitas informações erradas, cujos objetivos parecem ser para confundir a cabeça das pessoas e criar imagem desencantada e desacreditada dos sindicatos.
Na maioria, não se diz que os sindicatos no Brasil, pelo sistema de unicidade sindical prevista na Constituição de 1988, atuam em benefício de todos os trabalhadores, sejam associados ou não da entidade sindical, cujos instrumentos normativos têm efeito erga omnes, ou seja, se aplicam a todos os membros da categoria, sejam associados ou não dos sindicatos.
Também não se diz que os sindicatos (grande parte) conquistam muitos direitos para todos os trabalhadores, quando assinam convenções ou acordos coletivos de trabalho com mais de 60 cláusulas, que representam direitos além daqueles previstos na lei, que vão beneficiar todos os membros da categoria.
Não parece difícil entender (somente para quem não quer mesmo), que os sindicatos, na forma da Constituição e de demais leis do Brasil, são hoje pessoas jurídicas de direito privado. São pessoas jurídicas prestadoras de serviços para seus membros, como outras associações, que, para tanto, dependem, para fazer isso e sobreviver, de verba, que somente pode sair do bolso de quem recebe os respectivos benefícios.
Não existe nada de errado em alguém pagar por um serviço prestado, que lhe beneficia. Como, então, querer proibir os sindicatos de receberem pelos serviços que prestam para a categoria? Ou os sindicato são instituições de caridade? Se os sindicatos são instituições de caridade, ainda resta saber quem deve bancar suas atividades e sua existência!
Onde está o ferimento à liberdade sindical em os sindicatos receberem o pagamento de uma contribuição dos trabalhadores que representam e para quem buscam melhores condições de trabalho? Ferimento à liberdade sindical realmente existe quando terceiros se intrometem nas relações entre associações e seus membros, no caso, os sindicatos e seus membros, porque, repita-se, ninguém nem o Estado intervém e interfere nas relações entre as demais associações e seus membros, a não ser o Poder Judiciário, para coibir a prática de ilegalidade, porque todos são obrigados a cumprir as leis do país.
Respeitar a liberdade sindical é impor aos sindicatos o ônus de representarem e defenderem todos os membros das categorias e assinarem instrumentos coletivos em benefício deles e não poderem receber pelos serviços prestados? De onde deve sair o custeio para essas atividades em relação àqueles trabalhadores que recebem todos os benefícios conquistados, mas não querem contribuir para o sindicato?
Os sindicatos podem, então, representar e negociar somente para os associados? Essa resposta se pode buscar nas garras do próprio Estado, que ao receber denúncias de que um sindicato excluiu de um instrumento coletivo não sócios que não querem pagar qualquer contribuição para sua entidade, determina que o instrumento seja readequado, porque se o trabalhador não pode escolher outro sindicato, não pode ser excluído dos instrumentos coletivos! Se o sindicato não fizer isso vai sofrer uma ação judicial com altas multas e condenações por danos morais coletivos, porque descumpriu a lei. Mas, mais uma vez, não se aponta onde os sindicatos devem buscar o custeio para suas atividades e atuação.
A verdade é que, quem aponta ferimento à liberdade sindical pela cobrança de contribuições dos não associados, esquecem ou fazem de conta que não sabem, que, na forma da lei (CLT, artigo 611) as conquistas obtidas nos instrumentos coletivos de trabalho beneficiam todos os trabalhadores, associados ou não dos sindicatos, pelo que, não é lógico nem razoável que somente os associados arquem com o financiamento das entidades sindicais, para fazer face aos custos das campanhas salariais/negociações coletivas, dissídios coletivos e demais despesas que são necessárias para se chegar a um resultado favorável aos trabalhadores (às vezes até a greve).
O entendimento contrário ao custeio das negociações coletivas também pelos não associados está servindo para enfraquecer os sindicatos sérios e atuantes e provocar desequilíbrio de forças entre capital e trabalho. Está servindo para diminuir cada vez mais o número de associados dos sindicatos, porque ninguém quer mais ser associado de um sindicato para bancar quem não o é, porque não faz diferença ser associado ou não, uma vez que as conquistas sindicais se aplicam a todos os membros da categoria.
A grande mídia e muitos articulistas não enfrentam essa realidade, mais falam apenas que fere a liberdade sindical cobrar contribuição de quem não é associado do sindicato.
É interessante que nessa situação aparece gente, imprensa etc., para defender os trabalhadores contra seus sindicatos! Onde estão as razões dessa defesa? Talvez no fato de que, pelo interesse capitalista, existe no mundo inteiro perseguição sistemática aos sindicatos e um trabalho frequente na grande mídia para influenciar a opinião pública sobre um olhar desencantado e desacreditado em relação aos sindicatos. É certo que, como qualquer instituição social, os sindicatos incomodam com a sua presença, exercício de representação e defesa dos trabalhadores no mundo global, haja vista que a liberdade de associação representa, de fato, importante elemento civilizador universal.
Como também importante para a prática dessa contribuição, no seu voto, o ministro Barroso disse que, como solução intermediária, deve ser assegurado ao trabalhador o direito de se opor ao pagamento da contribuição assistencial, convocando-se assembleia com garantia de ampla informação a respeito da cobrança e, na ocasião, permitir que o trabalhador se oponha ao desconto da contribuição.
Então, acabou aquela situação em que os trabalhadores compareciam na assembleia sindical, aprovavam os vários benefícios conquistados pelo sindicato e no dia seguinte faziam filas quilométricas para assinarem uma carta de oposição ao custeio das atividades que levaram às conquistas de que vão usufruir! Com o devido respeito a quem pensa diferente, a situação seria cômica se não fosse trágica.
Quanto ao valor dessa contribuição, tem havido muita crítica porque o STF não estabeleceu um limite. Então, para aqueles que dizem defender a liberdade sindical, cabe lembrar que o mais importante instrumento internacional sobre liberdade sindical (Convenção 87/OIT) assegura que as organizações de trabalhadores e de empregadores terão o direito de elaborar seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente seus representantes, de organizar a gestão e a atividade dos mesmos e de formular seu programa de ação e que as autoridades públicas deverão se abster de qualquer intervenção que possa limitar esse direito ou entravar o seu exercício legal.
Então, parece claro que cabe ás assembleias sindicais, de forma transparente e democrática propor, discutir e aprovar as contribuições para custeio das atividades sindicais. É assim que se procede nas assembleias das demais associações civis e em condomínios e o Estado e ninguém interfere ou se intromete sobre o que decidido! Por que tal só acontece quando se trata de uma associação sindical?
Os trabalhadores organizados é que devem barrar dirigentes sindicais que cometam abusos. As assembleias sindicais podem vetar a criação de determinada contribuição que não tenha claro objetivo sobre seu uso ou porque o valor seja excessivo. É assim que se aprende, na prática, a lidar com a verdadeira liberdade sindical e não ficar fazendo malabarismos teóricos com objetivos, na verdade, de enfraquecer mais os sindicatos e, ao contrário, prejudicar os trabalhadores, porque sindicatos fracos, desorganizados e sem dinheiro não farão boa coisa em benefício das suas categorias.
Por oportuno, afirmo posição contrária a eventual entendimento de cobrança da contribuição assistencial de forma retroativa. A decisão do STF, mesmo não tendo sido ainda publicada na integralidade, nem apresentado qualquer modulação, não abre espaço para tal construção. Se a contribuição assistencial será aprovada em assembleia e negociada nas Convenções e Acordos coletivos de trabalho, não dá para voltar no tempo. Realmente não tem lógica esse entendimento, porque tudo, na forma da decisão da Corte Suprema, será feito daqui em diante, começando com a publicação de um edital para chamar a categoria para discutir e aprovar a contribuição, bem como para permitir àqueles que não queiram mesmo contribuir para o sindicato (mesmo sendo beneficiados pelos instrumentos coletivos), se oporem ao seu desconto.
Por fim, é importante anotar que a decisão do STF sobre o custeio sindical não encerra o assunto, embora tenha sido um bom começo. O melhor mesmo seria praticar uma verdadeira liberdade sindical e ninguém se intrometer no tema, que é de alçada das assembleias sindicais, ficando a atuação do Estado apenas para os casos de graves abusos e ilegalidades, como ocorre em relação a qualquer outra associação civil.
Raimundo Simão de Melo é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos, entre eles, Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.