ADEPOL DO BRASIL – 20/04/23

Por Francini Ibrahin[1]

A Lei 14.550/2023 ao alterar a Lei Maria da Penha, representa mais um avanço na proteção da mulher, vítima de violência doméstica e familiar.

A principal alteração é conferir maior credibilidade a palavra da vítima e possibilitar em um juízo de cognição sumária, a concessão das medidas protetivas de urgência diante tão somente, da palavra da vítima. Lado outro, para se indeferir é preciso se comprovar que não existe risco para a integridade física, psicológica ou moral para a ofendida ou seus dependentes.

Trouxe a lei, a compreensão de que toda violência doméstica e familiar contra mulher configura violência de gênero. Ao assim considerar, reafirma-se que é não é necessário a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha.

Reconhece-se, em consonância com os recentes julgados do STJ, a “organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir”[2].

Rememora-se o entendimento do STJ e STF, no sentido de que “A própria Lei n. 11.340/2006, ao criar mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica praticada contra a mulher, buscando a igualdade substantiva entre os gêneros, fundou-se justamente na indiscutível desproporcionalidade física existente entre os gêneros, no histórico discriminatório e na cultura vigente. Ou seja, a fragilidade da mulher, sua hipossuficiência ou vulnerabilidade, na verdade, são os fundamentos que levaram o legislador a conferir proteção especial à mulher e por isso têm-se como presumidos (Precedentes do STJ e do STF)”[3].

É importante que se diga, que a incidência da Lei Maria da Penha não foi ampliada para toda e qualquer situação em que uma pessoa do gênero feminino seja vítima. Ainda é preciso que essa vítima tenha sofrido uma violência no âmbito da unidade doméstica, da família ou qualquer relação íntima de afeto (art.5º da Lei 11.340/06).

Nesse contexto, para aplicação da Lei Maria da Penha não importa a motivação dos atos de violência. Não importa ainda, a condição da vítima, se ela é quem sustenta a casa, se é mais forte fisicamente que o agressor, se ela está em disputa por guarda de filhos ou em litígio patrimonial. Não importa também, a condição do agressor, se ele praticou a ofensa quando estava sob o efeito de droga ou álcool, se era namorado (a), irmão (ã), cunhada (o), neto (a), sogro (a), pai, mãe, dentre outros.

Assim, aplica-se a Lei Maria da Penha, diante da vítima do gênero feminino em uma situação de violência praticada no âmbito da unidade doméstica, familiar ou em qualquer relação íntima de afeto.

Vale lembrar que, as relações pessoais mencionadas na lei independem de orientação sexual, bem como não se exige a coabitação entre autor e vítima.[4]

Com as alterações lançadas, pacifica-se o entendimento de que medidas protetivas de urgência possuem natureza autônoma e satisfativa[5]. Isso quer dizer que:

  1. Independem da tipificação penal da violência, da existência de um Inquérito Policial, do Boletim de ocorrência ou processo penal ou cível.
  2. Podem ser mantidas ainda que arquivado o Inquérito Policial, encerrada a ação penal ou diante do cumprimento da pena.
  3. Deverão vigorar enquanto existir o risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da vítima ou de seus dependentes. Não há o que se falar em prazo pré-definido da medida protetiva, sem avaliação de riscos existentes.

Percebe-se que em uma sociedade machista, patriarcal e sexista, onde por vezes, se culpa a vítima pela própria violência sofrida, em que a mulher ainda continua sendo subjugada e inferiorizada, a alteração lançada pela Lei 14.550/2023 é muito bem-vinda.


[1] [1]Doutoranda em Direito (Núcleo de Pesquisa em Direitos Humanos) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Mestra em Direito Ambiental e Políticas Públicas pela Universidade Federal do Amapá – AP.  Especialista em Direito Administrativo pela PUC/SP. Pós-graduada em Direitos Humanos pelo CEI. Pós-graduada em Inteligência Policial e Segurança Pública pela ESDP/FCA. Autora, coautora e coordenadora de obras jurídicas, dentre elas “Código Penal Comentado para carreiras policiais” (JusPodivm); “Direito Policial – Temas Atuais” (JusPodivm); “Prova Oral” (Mizuno); “Lei Maria da Penha no Direito Policial” (Mizuno); “Prova e Polícia Judiciária” (Mizuno), “Revisão Final para Delegado de Polícia” (Mizuno), “Lei Orgânica da Policia Civil do Estado de SP” (Mizuno); Manual de Jurisprudência” (Mizuno) e “Mulheres nas Carreiras Policiais – teoria e prática” (SaraivaJur). Delegada de Polícia Titular na Delegacia de Defesa da Mulher de Itapevi-SP.

[2] REsp 1913762 / GO. Relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro. Sexta Turma. Data do Julgamento, em 14/02/2023. DJe 17/02/2023.

[3] AgRg no AREsp n. 1.439.546/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 5/8/2019.

[4] Conforme a Súmula n. 600/STJ.

[5] Esse já era o entendimento do STJ (jurisprudência em teses, n. 205, item 02) e em conformidade com o Enunciado 37 do XIV Fonavid.

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